Reajuste de plano de saúde individual e familiar: Como saber se foi abusivo?

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É indiscutível que a pandemia do coronavírus afetou a vida de todos nós. Por conta da retração econômica, de um cenário de dificuldades para o consumidor e da redução na utilização dos serviços de saúde em 2020, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entidade responsável pela regulação do setor, decidiu, em agosto de 2020, suspender as cobranças de reajuste anual e por faixa etária de setembro a dezembro de 2020.

A suspensão não foi aplicada aos contratos antigos (anteriores ou não adaptados à Lei nº 9.656/98), aos contratos de planos coletivos empresariais com 30 ou mais beneficiários que já haviam negociado e aplicado reajuste até 31/08/2020, e aqueles com 30 ou mais beneficiários em que a pessoa jurídica contratante optou por não ter o reajuste suspenso.

De acordo com a ANS, “a suspensão do reajuste abarcou um total de 20,2 milhões de beneficiários em relação ao reajuste anual por variação de custos (51% do total de beneficiários em planos de assistência médica regulamentados sujeitos ao reajuste anual) e 5,3 milhões de beneficiários no tocante aos reajustes por mudança de faixa etária (100% do total de beneficiários em planos de assistência médica regulamentados sujeitos ao reajuste por mudança de faixa etária)”.

Agora, no início de 2021, muitos consumidores foram surpreendidos com os valores das mensalidades, uma vez que as operadoras de planos de saúde reajustaram os planos suspensos no ano anterior.

Mas como saber se o reajuste aplicado pela operadora foi abusivo?

Reajuste abusivo

Previamente, reajuste é a “atualização da mensalidade baseada na variação dos custos dos procedimentos médico-hospitalares com o objetivo de manter a prestação do serviço contratado”.

Atualmente, há dois tipos de aumentos:

  1. Reajuste anual por variação de custos;
  2. Reajuste por variação de faixa etária do beneficiário.

De acordo com a ANS, as regras para aplicação do reajuste por variação de custos diferem de acordo com os seguintes fatores:

  • Data de contratação do plano: antes ou depois da vigência da lei que regulamenta o setor.
  • Tipo de cobertura: médico-hospitalar ou exclusivamente odontológica.
  • Tipo de contratação: planos individuais/familiares ou coletivos (empresarial ou por adesão).
  • Tamanho da carteira: planos coletivos com menos de 30 beneficiários ou planos coletivos com 30 ou mais beneficiários.

Nesse artigo, estamos a tratar dos reajuste dos planos individuais/familiares.

É permitido que haja a implementação de mais de um reajuste no mesmo ano, ou seja, pode haver mais de um fundamento para o reajuste da mensalidade. Exemplifico: no plano individual, poderá haver reajuste em razão dos custos financeiros anuais, com fundamento nas variações dos custos e limitados à periodicidade mínima de 12 meses, além do aumento por variação de faixa etária do beneficiário, que ocorrerá cada vez que o beneficiário atingir uma idade que represente o início de uma nova faixa etária conforme estipulado em seu contrato.

É importante destacar que são nulos os reajustes calculados de forma unilateral pela operadora, por meio de dados por ela própria informados, pois é obrigatória a indicação contratual prévia do índice de reajuste. Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratifica esse entendimento:

I – A variação unilateral de mensalidades, pela transferência dos valores de aumento de custos, enseja o enriquecimento sem causa da empresa prestadora de serviços de saúde, criando uma situação de desequilíbrio na relação contratual, ferindo o princípio da igualdade entre partes. O reajuste da contribuição mensal do plano de saúde em percentual exorbitante e sem respaldo contratual, deixado ao arbítrio exclusivo da parte hipersuficiente, merece ser taxado de abusivo e ilegal. Incidência da Súmula 83/STJ. (Superior Tribunal de Justiça STJ – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento: AgRg no Ag 1131324 MG 2008/0278113-0).

Feitas essas considerações, é primordial que o beneficiário verifique a data de celebração do contrato, pois há regras diferentes para contratos firmados antes e depois da Lei 9.656/98, que regulamentou o setor. Vamos a elas:

Contratos firmados antes de 1º de janeiro de 1999 não adaptados à Lei 9.656/98

Para os contratos antigos, ou seja, firmados antes da Lei 9.656/98 ou não adaptados, vale o que está disposto no contrato, desde que definido claramente o percentual de reajuste anual. Repito: o percentual de reajuste anual deve estar descrito especificamente no contrato.

Quanto ao reajuste por faixa etária, o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 1.990/DF, Pleno, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25-6-1999, decidiu que “são nulas de pleno direito as cláusulas que determinem aumentos de prestações nos contratos de planos de saúde e seguros de saúde, firmados anteriormente à Lei 9.656/98, por mudanças de faixas etárias sem previsão expressa e definida”.

Como bem resume o professor Daniel de Macedo Alves Pereira, as regras para os contratos antigos são as seguintes:

a) Para os planos antigos cujos contratos indiquem claramente o índice de reajuste (INPC, IPC, IPCA, IGP, IGP-M, etc), vale a disciplina prevista em contrato;

b) Contratos que não preveem índices de reajuste oficiais em que as operadoras firmaram Termo de Compromisso com a ANS: seguem a previsão de reajustes específicos fixados e autorizados pela ANS;

c) Operadoras que não firmaram Termo de Compromisso com a ANS: nos contratos sem previsão clara do índice de reajuste, os reajustes devem se limitar ao índice máximo fixado pela ANS para os planos novos individuais.

Por fim, como o reajuste deve estar vinculado ao que está previsto no contrato, em não havendo qualquer previsão contratual de reajuste por faixa etária, a operadora não poderá implementá-lo e, caso implemente, o consumidor poderá acionar a Justiça, respeitado o prazo prescricional.

Contratos firmados após 1º de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656/98.

Para contratos de assistência médico-hospitalar, com ou sem cobertura odontológica, a ANS determina o percentual máximo de reajuste, sendo que este somente poderá ser aplicado na data de aniversário do contrato (nunca antes) e com autorização da ANS, conforme artigo XVII, a Lei nº 9.961/00 e ao artigo 2º da Resolução Normativa (RN) nº 171/2008:

Art. 2º Dependerá de prévia autorização da ANS a aplicação de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos individuais e familiares de assistência suplementar à saúde que tenham sido contratados após 1º de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998.

Não é permitida a livre negociação de preço entre consumidor e operadora.

A operadora deverá aplicar o reajuste a partir do mês de aniversário do contrato, conforme artigo 9º da RN 171/2008, e conforme parágrafo 1º, “caso haja defasagem entre a aplicação do reajuste e o mês de aniversário do contrato de até dois meses, este será mantido e será permitida cobrança retroativa, a ser diluída pelo mesmo número de meses de defasagem”.

Para o beneficiário, a operadora deverá informar, de forma clara e precisa, no boleto de pagamento:

Art. 10. Quando da aplicação dos reajustes autorizados pela ANS, deverá constar de forma clara e precisa, no boleto de pagamento enviado aos beneficiários, o percentual autorizado, o número do ofício da ANS que autorizou o reajuste aplicado, nome, código e número de registro do plano e o mês previsto para o próximo reajuste.

Parágrafo único. Nas hipóteses do artigo 6º, § 3º e do artigo 9º, §§ 1º e 4º, deverá constar de forma clara e precisa o valor referente à cobrança retroativa.

Para planos individuais ou familiares contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656/98, o percentual máximo autorizado foi de 8,14%, e é válido para o período de maio de 2020 a abril de 2021.

Para planos firmados antes da Lei 9.656/98 e que as operadoras firmaram Termos de Compromisso com a ANS, o índice máximo de reajuste foi calculado com base na Variação dos Custos Médico-Hospitalares (VCMH). Os índices aprovados por operadora podem ser consultados no sítio da ANS.

Reajuste por mudança de faixa etária

O critério de reajuste por faixa etária leva em consideração o avanço da idade, pois é previsto que quanto mais avança a idade do beneficiário, mais cuidados são necessários e mais frequente é a utilização dos serviços, devendo este pagar um valor compatível com o perfil de utilização.

Além do mais, há quem defenda que se não houvesse a distribuição por faixa etária, o preço médio a ser pago por usuários mais jovens seria mais alto e pouco atrativo financeiramente, o que acarretaria participação menor desse público. Esclarece Daniel de Macedo Alves Pereira:

Os Planos Privados de Assistência à Saúde adotam, como regra, o conceito de solidariedade intergeracional, segundo o qual os beneficiários mais jovens, em suas faixas respectivas, subsidiam os integrantes de faixa etária mais avançada. Contudo, as mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa.

Diante disso, percebe-se que no plano de saúde, os custos de consultas, de cirurgias, de internações e de demais coberturas são repartidos entre os seus beneficiários. Assim, diluem-se as despesas entre os participantes desse plano, tornando-o acessível aos novos usuários ao tempo que fideliza cada contratante ao Plano de Saúde. (p. 262)

Por essa razão, o instrumento contratual deve estabelecer percentual de aumento para cada mudança de faixa etária, sendo que as regras de reajuste por variação de faixa etária são as mesmas para os planos de saúde individuais/familiares ou planos coletivos. É o que estipula a lei 9.656/98, em seu artigo 16IV, que determinou que os contratos devem indicar com clareza as faixas etárias e os percentuais de reajuste, sob pena de não incidência dos reajustes:

Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

IV – as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15.

Acompanhe na tabela abaixo as regras para o reajuste por faixa etária:

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Fonte: http://www.ans.gov.br/planos-de-saudeeoperadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-mensalidade/rea…

Observe que a tabela apresenta diferenças do número de faixas etárias – entre 2 de janeiro de 1999 e 1º de janeiro de 2004 há sete faixas etárias e, após 1º de janeiro de 2004, há dez faixas etárias.

Explico: a Lei 9.656/98 definiu sete faixas etárias, sendo que o último reajuste poderia ocorrer aos 70 anos ou mais, o que impossibilitava a manutenção do plano por inúmeros idosos. A alteração desse cenário se deu com o advento do Estatuto do Idoso que, no intuito de proteger os idosos, editou o artigo 15, parágrafo 3º, que dispôs:

Art. 15. (…)

§ 3oo É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

Atendendo aoEstatuto do Idosoo, a ANS editou a Resolução Normativa633/2003, que ampliou para dez faixas etárias, excluindo o reajuste acima dos 60 anos. Atualmente, o último reajuste por mudança de faixa etária ocorre aos 59 anos.

São inúmeras as regras para os reajustes dos planos de saúde individuais ou familiares, muitas vezes de difícil compreensão. Assim, na tentativa de resumir e facilitar, o beneficiário deve observar:

A data de celebração do seu contrato – foi antes ou depois de 1º de janeiro de 1999?

  • Se antes e o contrato foi adaptado à lei 9.656/98 – o reajuste seguirá as regras dos contratos novos.
  • Se antes e o contrato indica claramente os reajustes – vale a disciplina do contrato.
  • Se antes, não indica claramente o reajuste, e a operadora firmou Termo de Compromisso com a ANS – segue a previsão de reajustes específicos fixados e autorizados pela ANS.
  • Se antes, não indica claramente o reajuste, e operadora não firmou Termo de Compromisso – deve se limitar ao índice máximo fixado pela ANS para os planos novos individuais.
  • Se depois de 1º de janeiro de 1999 – o reajuste depende de prévia autorização da ANS.

O consumidor deve ser informado sobre seus direitos e deveres. As mudanças implementadas pela Lei 9.656/98 e pelo Estatuto do Idoso foram significativas, visando à proteção do beneficiário mais jovem e do idoso, que consegue permanecer (muitas vezes com dificuldade) no plano de saúde. No mais, cabe ao consumidor fiscalizar; reajustes abusivos podem e devem ser levados ao conhecimento do poder Judiciário.

Referências:

Estatuto do Idoso – Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Lei dos Planos de Saúde – Lei 9.656, de 3 de junho de 1998.

Pereira, Daniel de Macedo Alves. Planos de saúde e a tutela judicial de direitos: teoria e prática. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Resolução Normativa ANS nº 63/2003

Resolução Normativa ANS nº 171/2008

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