STJ afasta responsabilidade de cirurgião por erro de anestesista no pós-operatório.

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi provocado a se manifestar acerca da responsabilidade civil do cirurgião-chefe por erro médico do anestesista, ocorrido durante o pós-operatório, na fase de recuperação anestésica.

Relatam os autos que a paciente se submeteu a cirurgia de redução de mamas chefiada pelo cirurgião.

A cirurgia estética transcorreu normalmente, sem intercorrências na sala de cirurgia. Na sala de recuperação anestésica, contudo, a paciente apresentou quadro de instabilidade respiratória, tendo ocorrido então, conforme apurado pela perícia, uma negligência de atendimento por parte do anestesista, o qual “somente compareceu ao local 2:45hs após o desencadeamento do quadro e retardou a intubação orotraqueal por uma hora e 15 minutos, tempo determinante para a ocorrência das lesões neurológicas”.

Por causa desse erro médico, a mulher ficou em estado vegetativo, mantendo somente as funções fisiológicas essenciais, como respiração e circulação.

Ante esses fatos, o juízo de origem entendeu que a responsabilidade pelo evento danoso teria sido exclusivamente do anestesista, julgando então improcedentes os pedidos deduzidos contra o cirurgião-chefe.

O Tribunal de origem, porém, reformou a sentença, sob o fundamento de que o cirurgião, na medida em que escolheu o anestesista, teria responsabilidade pelo evento danoso.

No STJ, o entendimento no que tange à culpa pelo evento danoso, considerou o precedente específico existente no Tribunal, no sentido de que a autonomia que se reconhece à especialidade do anestesista afasta a possibilidade de se condenar o cirurgião, solidariamente, por erro médico atribuído àquele.

O precedente apontado pelo STJ, considera, entre outros:

4. Na Medicina moderna, a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob predominante subordinação àquele.

5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento.

6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas – fato do serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia.

(EREsp 605.435/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2011, DJe 28/11/2012)

No referido julgado, o Ministro Raul Araújo elucidou a questão debatida:

(…), somente caberá a responsabilização solidária do chefe da equipe médica quando o causador do dano for integrante da equipe que atue na condição de subordinado, ou seja, sob comando daquele. Assim, no caso de médico anestesista, que compõe o grupo, mas age como profissional autônomo, seguindo técnicas próprias de sua especialidade médica, deverá ser responsabilizado individualmente pelo evento a que der causa. Afinal, o nosso sistema jurídico, na esfera civil, adotou como regra a teoria da causalidade adequada (CC/2002, art. 403), de maneira que, salvo exceção prevista em lei, somente responde pelo dano aquele que lhe der causa, direta e imediatamente.

A atuação do anestesista, portanto, enquadra-se na segunda hipótese em razão de sua capacitação própria e de suas funções específicas, agindo com predominante autonomia, segundo técnicas da especialidade médica que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica.

Dificilmente o anestesista aceitaria interferência que ditasse modificação nos procedimentos adotados com o paciente, por força de intervenção do cirurgião-chefe, sendo igualmente improvável que este interfira no trabalho do anestesista, salvo em situações excepcionais, de evidente anomalia.

Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento.

Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, oriunda de erro médico cometido por este último. Embora exista o fato de que todos integram uma equipe, o trabalho do anestesista não é comandado, dirigido, pois não atua sob as ordens do cirurgião-chefe. O anestesista é um médico que se emparelha, que se ombreia com o cirurgião-chefe, durante a cirurgia. O cirurgião-chefe dá ordens aos médicos que o auxiliam na cirurgia, ao pessoal de enfermagem e outros profissionais auxiliares, mas o trabalho do anestesista, por sua especialidade, é de predominante autonomia. Faz-se de per si, quer dizer, sob as técnicas que esse ramo da Medicina, a Anestesiologia, ensina e proporciona.

Então, não há relação de subordinação entre os referidos profissionais para efeito de configurar a solidariedade que ficou reconhecida no recurso especial ora confrontado.

Não se pode pretender afastar a responsabilidade do cirurgião-chefe apenas quando a parte contratar, ela própria, em paralelo, o anestesista. Não parece ocorrente tal hipótese de o paciente, ao contratar serviço de médico cirurgião, buscar autonomamente a contratação de trabalho de anestesista. O anestesista sempre virá em um pacote de contratação que é feito diretamente com o cirurgião ou com o hospital. O anestesista normalmente não virá compor a equipe de um médico que nem conhece. Não haverá isso. Então, apesar de haver a ligação entre o médico anestesista e a equipe selecionada pelo médico cirurgião, não existe predominante subordinação a ensejar a responsabilidade solidária entre aqueles profissionais da Medicina.

A partir dessas considerações, o Ministro Marco Aurélio Bellizze, que foi voto vencedor, concluiu que “nessa linha de entendimento, considerando que, no presente caso, é fato incontroverso nos autos que o erro médico foi cometido exclusivamente pelo anestesista, não há como responsabilizar o médico cirurgião, ora recorrente, pelo fatídico evento danoso, impondo-se, assim, a reforma do acórdão recorrido”.

A Terceira Turma do STJ entendeu que o médico-cirurgião, ainda que seja o chefe da equipe, não pode ser responsabilizado solidariamente por erro médico cometido exclusivamente pelo anestesista, uma vez que, existindo a autonomia da especialidade do anestesista, não há subordinação técnica deste aos demais membros da equipe médica.

Desse modo, o STJ reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia entendido que o cirurgião, na medida em que escolheu o anestesista, teria responsabilidade pelo evento danoso.

 

Referência: RECURSO ESPECIAL Nº 1.790.014 – SP (2018/0180777-7)

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