A autonomia e o consentimento do paciente

Índice do Artigo

Consentimento Livre e Esclarecido

O atual Código de Ética Médica considera que é direito do paciente ser informado sobre sua condição de saúde, a doença que o acomete e as possibilidades terapêuticas aplicadas ao seu caso. Considera que o paciente, com base nessas informações, tem o direito de decidir. É o que dispõe o artigo 34, do CEM. É vedado ao médico:

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Assim, um dos direitos do paciente é ser informado sobre sua doença de forma clara e objetiva, sendo dever do médico, informar. A omissão da informação, por qualquer motivo, caracteriza ofensa ao direito à autodeterminação do paciente.

Nos dias de hoje, vigora o princípio da autonomia da vontade, muito discutido na área médica. Esse princípio, com previsão em vários documentos, inclusive internacionais, entende o paciente como sujeito de direitos, com capacidade de se autogovernar e decidir segundo sua consciência, religião, história de vida e aspirações.

A Recomendação do Conselho Federal de Medicina 1/2016, que trata do consentimento livre e esclarecido, atribui ao médico a responsabilidade de desenvolver relação intersubjetiva com o paciente, estabelecendo conexões mais simétri­cas e igualitárias.

Assim, em respeito ao princípio da autonomia do paciente, é fundamental que o médico o informe sobre sua doença, quais as intervenções ou terapêuticas sugeridas e quais os riscos de cada tratamento. O paciente, por sua vez, deve ter capacidade para entender e autonomia para decidir.

Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves e Felipe Braga Netto pontuam que o médico tem o dever de informar com clareza, de modo completo, útil e gratuito:

O princípio da informação biparte-se em núcleo normativo dúplice: a) direito de ser informado e b) dever de informar. Os deveres de informação são deveres de conduta, exigem uma postura positiva e ativa. O médico que negligencia o dever de informação pode ser condenado a indenizar (STJ. 332.025, Rel. Min. Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 5/8/2002). Informar corretamente, esclareça-se, é informar com clareza, de modo completo, útil e gratuito. A ausência de informação (ou a informação defeituosa) gera responsabilidade civil, desde que conectada, em nexo causal, a um dano de qualquer espécie[1].

Conforme dispõe o artigo 34, do CEM, o médico poderá sopesar entre a utilidade e o prejuízo da informação, podendo silenciar se a notícia puder causar dano ao paciente. Ainda assim, o dever de informação não poderá ser mitigado em relação ao representante legal do doente.

Depois de informado e tendo suas dúvidas esclarecidas, o paciente deve se manifestar – consentindo ou não com a terapêutica proposta. Nessa fase, é recomendável que o médico elabore o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deverá ser assinado pelo paciente.

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro norma que imponha o TCLE, mas como você pode notar, o Termo é o resultado de um processo de comunicação satisfatório entre médico e paciente. Ademais, Kfouri Neto, ressalta que o consentimento não deve prescindir da forma escrita, sob pena de o profissional da medicina ficar sujeito à “impossibilidade de provar a efetiva obtenção do assentimento do enfermo – fato que também poderá redundar em consequências gravosas, no âmbito da responsabilidade civil”[2].

O TCLE deve conter a individualização do tratamento, não devendo ser apenas um documento genérico, que deve ter uma “simples assinatura” do paciente, como vemos em muitos hospitais e clínicas. O consentimento genérico pode ser discutido judicialmente, se o paciente se sentiu lesado.

Afinal, haveria responsabilidade civil pela falta ou deficiência de informação?

Decisão do STJ no RECURSO ESPECIAL Nº 1.540.580 apontou que:

1. (…)

2. É uma prestação de serviços especial a relação existente entre médico e paciente, cujo objeto engloba deveres anexos, de suma relevância, para além da intervenção técnica dirigida ao tratamento da enfermidade, entre os quais está o dever de informação.

3. O dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal.

4. O princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações.

5. Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado.

6. O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente.

7. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos.

8. A responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, § 4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis. Precedentes.

9. Inexistente legislação específica para regulamentar o dever de informação, é o Código de Defesa do Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º).

10. Recurso especial provido, para reconhecer o dano extrapatrimonial causado pelo inadimplemento do dever de informação.

– – – – – –

Quer saber mais sobre o consentimento livre e esclarecido? Leia artigo publicado na Revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina – A relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016.


[1] Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves e Felipe Braga Netto. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 1143.

[2] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova, p. 297; Responsabilidade civil do médico. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 167

 

Precisa de orientação jurídica? Fale comigo.

Outros Artigos

SOLICITE UMA AVALIAÇÃO AGORA

Receba nosso contato personalizado